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Reflexos da Covid-19 – Da Flexibilização Contratual e Caracterização do Caso Fortuito e da Força Maior como Excludentes de Responsabilidade Civil nas Relações Locatícias:

Categoricamente, os efeitos da pandemia causada pela COVID-19 se apresentam na forma de uma crise sem quaisquer precedentes, com características e efeitos econômicos semelhantes às grandes crises mundiais, cujas medidas governamentais como o fechamento do comércio, interrupção dos transportes públicos, isolamento social e a quarentena ameaçam os negócios, culminando na perda de perspectiva de geração de receita e de caixa de muitas famílias e empresas. 

Com isso, a caracterização de caso fortuito e a força maior vê-se originada por esta situação de absoluto impedimento no cumprimento de obrigações que, via de regra, nem sempre acarretam o término contratual de forma direta (diferentemente da resolução por onerosidade excessiva, e que também pode ser ocasionada por um evento de força maior), pois a consequência prevista no art. 393 do CC, como dito, torna apenas sem efeitos as perdas e danos decorrentes do não cumprimento obrigacional.

De início, calha abrir um breve parêntesis, no sentido de que não se deve confundir o conceito de força maior, previsto no artigo 393 do Novo Código Civil, com as disposições de seus artigos 317 e 478 e seguintes, que dispõem sobre o desequilíbrio econômico do contrato, quer porque o primeiro tem raízes de causalidade e o segundo de consequência de um fato inevitável e imprevisível, só que ambos possuem uma ligação muito frequente, vez que o motivo de força maior pode levar a um cenário de onerosidade excessiva do contrato para o devedor da obrigação, gerando desequilíbrio contratual.

Superada tal explanação acerca da conceituação destes institutos, insta concluir que a Covid-19, a nosso ver, deve ser interpretada como excludente de responsabilidade e, por sua vez, assim enquadrada na definição clássica de caso fortuito e força maior previstas no artigo 393, parágrafo único, do Código Civil, até porque, se o ordenamento jurídico possibilita até mesmo a isenção de responsabilidade do devedor em eventos imprevisíveis e/ou inevitáveis, porque não admitir a possibilidade de revisão da obrigação, de modo a conservar a relação contratual no caso em questão?

Com isso, tratemos da flexibilização contratual dentro das relações locatícias, senão vejamos:

No que tange à locação urbana – assim abrangidas as residenciais e comerciais – cumpre esclarecer que já tramita no Congresso Nacional, ainda não aprovado, o Projeto de Lei nº 1179/2020 que visa endereçar a questão nesses tempos da pandemia, de modo a tratar da possibilidade de resilição, resolução e revisão de contratos em seus artigos 6º e 7º e, especificamente quanto às locações, e, em seu artigo 9º, estatui a impossibilidade de concessão de liminar para desocupação de imóvel em ação de despejo.

Em síntese, mesmo não tendo sido aprovado ainda o referido projeto de lei, já há dispositivos legais em vigor que podem (e devem) ser aplicáveis à readequação dessas novas realidades enfrentadas pelas partes componentes da relação locatícia, decorrentes exatamente da ocorrência da pandemia causada pela Covid-19 – a qual pode ser inclusive denominada como exemplo clássico de situação de força maior, imprevisível e irresistível, que autoriza o uso da chamada Teoria da Imprevisão.

Assim, vale atentar-se ao que reza o artigo 317 do Código Civil que, expressamente, admite a possibilidade judicial de correção do valor da prestação, sempre que sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação estabelecida contratualmente e o do momento de sua execução (ou pagamento).

Trata-se de modalidade clássica de revisão contratual, a qual é perfeitamente adequável às locações que tiveram questões atinentes à execução modificadas por alteração na condição econômica do contratante em decorrência das consequências da pandemia, flexibilizando-se, decerto, tais condições contratuais.

Outro dispositivo do Código Civil que converge com tal flexibilização e assim autoriza o pleito de revisão de cláusulas locatícias (mormente do valor do aluguel) em razão da situação de força maior gerada pela pandemia do novo Coronavírus é o artigo 421-A, que preceitua ser possível o afastamento da presunção da paridade e simetria dos contratos civis e comerciais, na presença de elementos concretos que o justifiquem – algo mais do que justificável, pois com redução salarial (no caso do indivíduo que firma locação residencial) ou interdição de estabelecimento comercial por ordem do Poder Público ou mesmo redução de faturamento decorrente da menor circulação de pessoas gerada, mais uma vez, por determinação estatal (nos casos de empresas locatárias de imóvel comercial), não há a menor possibilidade de que  tais locatários sigam honrando com suas obrigações no mesmo valor estabelecido em momento pré-pandemia.

Estendendo-se tal análise, além da possibilidade de pleitear revisão de valores e assim proceder à flexibilização de cláusulas contratuais, o Código Civil possui dispositivos que autorizam a resolução por onerosidade excessiva por conta, novamente, de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (artigo 478), com possibilidade, inclusive, da parte contrária evitar essa resolução, caso se disponha a restabelecer o equilíbrio contratual (artigo 479).

Todavia, considerando-se que a situação extraordinária decorrente da pandemia é transitória, todavia, não se sabe quanto tempo irá perdurar, parece ser mais razoável dar, nesse momento, prioridade à revisão das obrigações contratuais, conservando as relações jurídicas na medida do possível (até mesmo para reduzir os impactos econômicos e sociais em nosso país) e reservando a resolução por onerosidade excessiva apenas àqueles contratos irremediavelmente afetados pelos impactos decorrentes da Covid-19.

A Lei de Locações (Lei 8.245/91), assim, se rende às especificidades do Código Civil, que complementa e regulamenta aquilo que não contém previsão expressa na lei específica, de modo a permitir as renegociações de contratos comerciais em períodos críticos, independente das ações específicas, previstas no artigo 58 e seguintes da Lei de Locações/inquilinato.

De sorte conclusiva, tem-se que o referido assunto é bastante novo, porém extremamente relevante, sendo que, no que diz respeito aos Contratos de Locação – aqui abrangidos tanto a locação residencial consistente na perda de emprego e diminuição da renda habitual do locatário – quanto a comercial – concernente ao fechamento de negócio por ordem do Poder Público com diminuição de faturamento ou ainda considerando a manutenção das atividades comerciais, diante da menor circulação de consumidores, o que pode acontecer com os estabelecimentos das atividades tidas como indispensáveis-como por exemplo postos de gasolina, mercados, farmácias, dentre outros- entende-se plenamente possível à parte prejudicada, em caso de não conseguir entendimento amigável com o outro contratante e havendo possibilidade de manutenção da relação contratual a longo prazo, socorrer-se do Poder Judiciário,  visando à obtenção da revisão equitativa e consequente flexibilização das cláusulas contratuais que se tornaram excessivamente onerosas, a fim de que o equilíbrio contratual possa ser restabelecido, ainda que de forma temporária, enquanto perdurar a pandemia da Covid-19.

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